1 de fevereiro de 2013

DÁ LICENÇA?


KISS

Quase uma semana após o incêndio na boate Kiss em Santa Maria, RS, questiono se o clamor da população é por justiça ou por vingança. "Vamos acabar logo com a vida de um ou outro como penitência pelo que fez com tantos jovens". Porém estamos correndo sério risco de perigosa e inconsequente antecipação no julgamento. Julgamentos precipitados podem levar a danos irreparáveis para pessoas que não têm a menor culpa. Um caso emblemático é o da Escola Base, em Brasília, ocorrido há uns vinte anos. Crianças relataram maus tratos e abusos sexuais dos professores e donos da escola. Uma investigação apressada e mal feita culpou antecipadamente essas pessoas. Imprensa e opinião pública trataram de logo condenar esses "bandidos" aos olhos da sociedade. A escola foi fechada. Seus proprietários não conseguiram mais se erguer. Alguns entraram em depressão, outros tiveram sua vida completamente arruinada. Mais tarde, viu-se que não era nada daquilo que os garotos disseram. Não houve abuso e não houve maus tratos. Houve desgraça para os escolhidos pela população como culpados. Voltando à Kiss, se ontem os seguranças da boate eram os culpados pelas mortes, hoje são os donos da casa noturna. Ou os músicos que soltaram fogos proibidos. O que dizer da ação dos bombeiros, então? Lembro de outra grande tragédia que vi acontecer, o 11 de Setembro, nos Estados Unidos. Quando as torres foram atingidas, os bombeiros e a polícia fizeram de tudo para evacuar a área. Somente pessoal técnico autorizado (polícia, bombeiros, ambulâncias, etc.) é que podiam ir ao local. Em Santa Maria ouvimos declaração de bombeiros de que eles "deixaram" a população ajudar. Ajudar?! Com que conhecimento técnico? Quantos ajudantes daqueles, sem nenhum preparo e sem nenhum equipamento de proteção individual inalaram a fumaça tóxica que saía da boate? Manusearam adequadamente quem agonizava? Será que atrapalharam em algum momento? Quantos daqueles adoeceram? Algum está internado? Algum vai morrer por isso? O que dizer dos órgãos públicos responsáveis pela autorização de funcionamento de estabelecimentos como aquele? Só agora é que sabem que havia irregularidades? Mas, não foi solicitada nova vistoria desde novembro? Qual o valor de uma foto de festa na boate onde se vê a placa indicativa de extintor de incêndio, mas que não havia o extintor? É da mesma boate? De que época? A placa é antiga? Colocaram até declaração de ex-funcionária da boate dizendo que um dos donos havia dito que os extintores eram esteticamente feios. Dá para concluir que esse diretor mandou retirar todos os extintores da boate? Em uma tragédia dessa dimensão dificilmente há apenas um culpado. Geralmente é uma cadeia de erros, equívocos, irresponsabilidades, negligências, etc., que somando-se uns aos outros, culmina com um desastre dessa proporção. Não é possível nem racional o julgamento antecipado. O delegado que cuida do caso não esperou muito e já sentenciou seus investigados. Pior: tratou de expor seu julgamento na "rede". Onde estamos, meus senhores? Ele nunca poderia ter emitido juízo de valor para a população. Foi imaturo e irresponsável. O seu dever é investigar, colher todos os dados possíveis, analisar, e, só ao final, emitir relatório que será enviado à Justiça, que, vale salientar, acatará ou não suas conclusões. Essa sim, vai julgar todos os envolvidos e dar a parcela de culpa que cada um tem no caso. Pelo menos é isso o que se espera da Justiça. Finalizando, vejo que há muitos sentimentos além de dor e compaixão presentes nesse momento. A desgraça das mortes na boate Kiss parece que é sentida mais pela população de que pelos familiares das vítimas. Estes sofrem da mesma forma que sofre qualquer pai ou mãe ao perder um filho de forma inesperada. Eles estão com um horrível sofrimento pelo seu ente querido que se foi abrupta e violentamente. Os que perderam mais de um - houve pai que perdeu seus quatro filhos - esses sim, mais que os outros. Do dia 20 de janeiro para cá, entretanto, dezenas de pais e mães em todo o Brasil tiveram a infelicidade de perder um filho ou filha também de forma abrupta e violenta. E o sentimento não é menor do que o dos pais dos jovens da Kiss. Mas com a população é diferente: ela "perdeu" ao mesmo tempo 235 jovens filhos e filhas e tem que chorar por todos eles ao mesmo tempo. Sente por essa tragédia multiplicada a centenas. O ser humano parece ser meio aficionado por desgraça (quando acontece com os outros). Por isso que filmes catástrofes dão tanta bilheteria. Tsunamis, atentados, desastres aéreos, terremotos e furacões dão também IBOPE. E IBOPE é dinheiro! O pior é que enquanto muitas pessoas se comovem sinceramente com o ocorrido, outras apenas aparentam se comover. Para alguns o que existe é um sentimento de alívio por não estar envolvido diretamente no desastre. Outros nem se preocupam em parecer comovido ou não. Um "negócio" está em jogo e o tempo vai esfriar o assunto. Não há tempo a perder.

4 comentários:

  1. Dr. Ricardo, você tem razão quando diz que inocentes podem ser culpados de forma sumária. Na minha pós-graduação em Perícia de Engenharia, analisamos casos reais onde, pessoas inocentes, pagaram pelo erro de outros. Há erros também nas perícias técnicas, sem dúvida, e o pior é que elas balizam as decisões judiciais. Infelizmente a pressa em dar uma satisfação à sociedade, pode induzir a estes erros.
    De tudo que vi, só posso concluir que não houve fatalidade, mas falha no sistema de Prevenção e Combate a Incêndios.
    De positivo, se é que podemos assim definir, passaremos a ser fiscalizados com mais rigor, esperando eu que esta fiscalização não relaxe quando "esfriar o assunto".

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  2. Parabéns pela forma lúcida como tratou um assunto tão espinhoso.

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  3. Tem que fiscalizar o Lamão...

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  4. É isso ai dr Medeiros. vivemos em um país em que as leis não saem do papel, em que os agentes da lei são facilmente corrompidos, fica fácil acusar e condenar. dificil é enxergar que ta tudo errado.viu a avalanche do gremio ontem? de quem é a culpa?

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